"Eu não poderia gritar, chorar ou bater os pés e ordenar que ficasse. Amor não se pede, lembra? Eu só fiquei ali calado esperando, com os dedos cruzados torcendo pra que ela voltasse."
Gabriel Hudson
Prometo que amanha pela tarde quando eu me levantar bem indisposta para viver retorno as ligações
que merecem as minhas explicações. Fiquei fora do mundo uma semana inteira, e
parece que a cidade toda resolveu me procurar, tem umas trezentas mensagens na
minha secretaria eletrônica, coitada, preciso dar-lhe férias. Minha casa esta um
lixo, pedi para a pobre empregada, que sempre me colocava pra dentro em todas
as noites difíceis, para que apenas
alimentasse meu cachorro e me deixasse viver nessa podridão de espírito. Fui deixando
tudo pra depois, e para amanha, e não fiz absolutamente nada, acabei não
telefonando pro meu avô pra saber como anda a saúde dele, nem passei na casa da mamãe pra lhe pedir
desculpas pelo sumiço preocupante, por falar nisso acho que ela passou umas
vezes aqui em casa e nem fui digna de levantar da cama para lhe atender, que
filha horrenda que sou.
Esqueci que a mensalidade da moto vencia
essa semana. Deixei pra manha o que eu devia ter feito ante ontem. É que nos últimos meses as coisas vêm
acontecendo de uma forma que eu não consegui segurar as pontas por mais tempo,
não sozinha. Você saiu por aquela porta e deixou as suas coisas aqui, só para
que eu implorasse a sua volta, mas acho que você realmente não me conhece bem,
não pedi nem que meus amigos voltassem apenas virar as costas, e seguir com
suas vidas medíocres, e com você não foi diferente, mas não se apresse eu volto
a si amanha mesmo. Ouvi sua mensagem no alto falante daquele maldito telefone
petulante. É que só sobrou sua voz no telefone mesmo, suas partes já foram
arrancadas do meu apartamento, e o seu capacete já foi vendido, fiz isso antes mesmo de desfalecer uma semana
inteira.
Estou pensando em deixar a cidade, aqui não
é tudo que Renato Russo sempre pensou, e
que me iludiu em seus versos, aqui onde não encontrei amor, só dinheiro e solidão.
Essa semana de “morte para o mundo” me fez tomar a decisão que eu tinha em
mente desde o dia em que pisei o pé esquerdo aqui.
Fico
imaginando a cara da minha mãe quando eu contar os motivos de ir embora,
primeiro ela vai perguntar-me se foi esse o tipo de criação que me deu, se
alguma vez na vida eu tenha á visto fazer algo do tipo por algum ser que possua
pênis, e não, minha mãe nunca se apaixonou. Engraçado, por que não segui o
mesmo caminho?! Talvez sofreria menos. Mas me perdoe mamãe, semana que vem
estou de mudança, para uma cidade com praia, pois ate onde sei, ele odeia o som
que o mar faz, que tipo de loucos fomos? Porque ainda estivemos tanto tempo
dividindo o mesmo cobertor? Dividindo o
nosso calor, nossas meias verdades? Você foi o buraco mais fundo onde me afundei, e sim, minha mãe deve ter me avisado umas setenta e duas
vezes e tentou também tomar das minhas mãos
a pá que você me dera, e eu de imatura não aceitei ser ajudada, desculpa mamãe.
A única coisa tua que sobrou jogada por aqui em algum
canto foi o acústico do Alice in Chains, não queria te contar, mas tem sido a única
coisa que consigo escutar desde então. Mas amanha pela manha bem cedo vou te
enviar pelo correio. Foi horrível ter te conhecido, obrigada por tudo e me
desculpe pelo resto. O mais difícil foi ter a plena certeza de que tudo não se
resolveria amanha de manha.
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